O LADO SOMBRA DA LIDERANÇA – COMO CONFRONTÁ-LO E SE TORNAR UM LÍDER EXTRAORDINÁRIO

Por Gutemberg B. de Macedo

“Os aspectos da vida que nos impulsionam de uma maneira positiva em direção ao sucesso podem também exercer um efeito negativo, destruindo nossa eficácia. Como líder, sem dúvida você já sentiu na pele esse paradoxo. Não importa em qual área você lidera os outros. […] Sejam quais forem as circunstâncias nas quais você lidera outros, você precisa compreender o seu próprio lado sombrio.”

> Gary L. McIntosh

Presidente da Church Growth Network e Professor de Liderança na Faculdade Teológica de Telbot, EUA

> Samuel D. Rima

Diretor do Programa de Doutorado do Seminário Bethel e também membro da faculdade do Centro de Liderança Transformacional, EUA

 

A proliferação de escândalos de todos os gêneros no ambiente corporativo, nas instituições governamentais e não governamentais durante as duas últimas décadas, se constitui uma verdadeira ameaça à democracia, à liberdade de empreender, ao capitalismo sócio-responsável, à reputação das corporações, aos cidadãos e à carreira que empreendem nos mais diversos campos das atividades humanas.

Todos os dias, ao abrirmos os jornais e ouvirmos o noticiário televisivo ou radiofônico, tomamos conhecimento sobre novos escândalos perpetrados por líderes políticos, religiosos, militares e executivos de carreira nos mais diferentes tipos de instituições – construtoras, financeiras, industriais, universitárias, jurídicas, etc.

Quando nos damos conta do nível da maldade, bandidagem e engrenagem criminosa que assola o nosso país ficamos perplexos e desolados. Por vezes deixamos de acreditar que há saída após todo lamaçal.

Eike Batista, há doze anos aproximadamente, conquistou o status de empresário super bem sucedido que aspirava se tornar o homem mais rico do mundo. Conquistou o oitavo lugar após suas empresas prosperarem exponencialmente. Fundador e presidente do grupo EBX espelhava o líder do sucesso em suas empresas. Todos queriam estar em seu ciclo da amizade ou ser funcionário de suas empresas.

Recentemente preso em um desdobramento da operação Lava Jato, tornou-se réu pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. Seu brilho e talento não se sustentaram. Prevaleceu o seu caráter sombrio e ganancioso.

Joesley Batista e seu irmão Wilson Batista, empresários–sócios do grupo JBS, responsável pela ascensão e internacionalização da empresa que hoje ocupa o primeiríssimo posto da maior empresa da proteína animal do mundo. Em 2016 ele figurou na Revista Forbes entre os setenta maiores bilionários do Brasil. Em 2017, ele é alvo das investigações da Lava Jato acusado de pagamento de propinas milionárias à políticos (1800) incluindo os ex-presidentes – Lula e Dilma, e se envolvendo de forma ilícita com o presidente Temer – ele é acusado também de sonegação de impostos e crimes de ordem tributárias.

Infelizmente o time não para por aqui. Difícil é escolhermos novas lideranças “mais iluminadas” para delegar a elas a Ordem e Progresso de nosso país. Vivemos em “tempos sombrios” em nossas lembranças recentes.

O Brasil tornou-se a Sodoma e Gonorra do século XXI, onde não há um único homem honesto. Nas palavras de Ormínio Fraga, ex-presidente do Banco Central, no jornal Valor Econômico: “No Brasil, tem muito patrimônio adquirido por roubo. Tem também o patrimônio adquirido por roubos mais sofisticados, que são os abençoados pelo Estado”.

As consequências negativas das manifestações do “lado sombra” naqueles que lideram são terríveis: a crescente descrença das pessoas em seus líderes; a putrefação dos costumes políticos e sociais em todos os níveis; a proliferação do cinismo e a adoção do principio egoísta que deseduca, desagrega e desestrutura a sociedade como um todo – “cada um por si e Deus por todos;” a valorização da esperteza e do oportunismo desavergonhado em detrimento do trabalho duro e do mérito individual; a descrença na força e poder do trabalho honesto e responsável, entre inúmeras outras.

O renomado jurista baiano, doutor Rui Barbosa, 1849-1923, há um século aproximadamente, captou com grande acuidade as conseqüências do “lado escuro” da natureza humana quando bradou: “A injustiça desanima o trabalho, a honestidade, o bem; cresta em flor o espírito dos moços; semeia, no coração das gerações que vêm nascendo, a semente da podridão; habitua os homens a não acreditar senão na estrela, na fortuna, no acaso, na loteria da sorte; promove a desonestidade, a venalidade e a relaxação.”

E, no mesmo discurso, acrescentou: “De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto.” (Discurso no Senado, em 17.12.1914 – Salomão Jorge, Um Piolho na Asa da Águia, pág. 157, S. Paulo, 1965).

Mas o que vem a ser o “lado sombra” dos líderes? O lado sombra personifica tudo o que o executivo recusa-se a admitir sobre si próprio, e no qual, no entanto, está sempre tropeçando, direta ou indiretamente: por exemplo, traços inferiores de caráter e outras tendências incompatíveis.

Carl Gustav Yung, considerado como um dos maiores pensadores da psique humana dos tempos modernos definiu o “lado sombra” como aquela personalidade escondida, reprimida, na maior parte das vezes inferior e cheia de culpa, cujas últimas ramificações atingem o domínio de nossos ancestrais animais, compreendendo assim todo o aspecto histórico do inconsciente…”

Aqui estão quatro exemplos clássicos de traços inferiores de caráter extraídos da vida cotidiana que ilustram de maneira contundente o “lado sombra” dos indivíduos:

O primeiro – Presidente de importante empresa multinacional do setor químico convoca seu diretor de recursos humanos para uma conversa em sua torre de marfim. Nessa reunião, ele propõe ao seu diretor que solicite sua demissão da empresa porque ele desejava terceirizar toda a área de recursos humanos em período relativamente curto. Além disso, pediu para que ele abrisse uma empresa de serviços imediatamente, pois desejava fazer um contrato de terceirização com a sua empresa.

O diretor de recursos humanos diante dessa “excepcional oportunidade,” apresentou sua carta de demissão e tratou de constituir uma empresa imediatamente, a fim de atender a solicitação de seu presidente.

Vencidos todos os trâmites legais para abertura de sua empresa, ele reuniu-se com o seu ex-presidente para uma conversa reservada.

Nessa oportunidade, ele lhe diz: “Infelizmente, eu não posso manter a promessa que lhe fiz porque não sou o dono da empresa. Esta é uma empresa multinacional.” Revoltado com a irresponsabilidade e insensatez de seu ex-presidente (posteriormente demitido da organização), entrou na justiça do trabalho reivindicando seus direitos trabalhistas – hoje, estimados em quase 2 milhões de reais.

Mas os prejuízos causados ao diretor de recursos humanos, segundo ele próprio me confidenciou na presença de dois outros consultores da Gutemberg Consultores recentemente, não foram apenas de natureza financeira, mas especialmente de ordem moral, psicológica e familiar.

Posteriormente, em decorrência desse descarrilamento, sua esposa solicitou o divórcio ao enfrentar grave crise financeira – todo o dinheiro que ele acumulou ao longo de sua carreira se evaporou – ele estava construindo a casa de seus sonhos em cidade a 60 km de São Paulo.

Eu conheço os dois profissionais muito bem, inclusive a versão fantasiosa de seu ex-presidente sobre esse fatídico episódio e de tantas outras manifestações de seu lado sombrio. A Gutemberg Consultores foi também vítima desse senhor de conversa fácil e pouco confiável.

O segundo – No verão de 1997, o presidente da Convenção Nacional das Igrejas Batistas dos Estados Unidos, Henry Lyons, foi colocado diante dos holofotes da imprensa e da sociedade norte-americana quando sua esposa foi presa ao tentar incendiar sua luxuosa mansão no sul da Flórida. À medida em que as informações sobre esse episódio se tornavam mais claras, veio a público o verdadeiro motivo de tamanho descontrole emocional e irracionalidade – sua esposa reagiu à atitude de seu marido ao adquirir uma mansão no valor de setecentos mil dólares para uma de suas assistentes. Posteriormente, ele foi acusado de inúmeras outras extravagâncias como por exemplos, a aquisição de uma Mercedes Benz de última geração para uso oficial e milhares de dólares gastos na compra de jóias caríssimas.

O terceiro exemplo nos remete à conduta de Roger Abdelmassih, 1943-, ex-médico brasileiro, especialista em reprodução humana e um dos pioneiros da fertilização in vitro no Brasil, o qual foi acusado de abusar sexualmente de suas pacientes enquanto estavam sob efeitos de sedativos. O número de acusações passa de 60 mulheres, ex-pacientes. Há quase duas décadas iniciaram os processos jurídicos e os danos causados às suas pacientes são irreparáveis um verdadeiro monstro travestido de médico e cientista da genética humana.

O quarto e último exemplo nos vêm de Lisa Marie Caputo Nowak, 1963-, ex-astronauta e oficial naval norte-americana que foi ao espaço no ônibus espacial Discovery em julho de 2006, em missão de teste de espaçonave, no segundo vôo do programa do ônibus espacial após a tragédia com a nave Columbia, 2003.

Lisa começou a se interessar pelo programa espacial norte-americano desde os seis anos de idade, quando acompanhou a descida do homem na Lua.

Aqueles que a conheciam bem a admiravam e a respeitavam como uma líder exemplar, uma mãe carinhosa e dedicada – ela tinha três filhos -, e também como uma mulher verdadeiramente brilhante. Afinal, poucos homens conseguiram chegar aonde ela chegou.

Lisa Nowak foi oradora de classe no seu curso de High School, obteve um diploma de engenheira aeronáutica em nível de mestrado na Academia Naval dos Estados Unidos, aprendeu a pilotar jatos de combate (fighter jats) e conquistou a posição de capitã na Marinha norte-americana ainda muito jovem. Seus amigos militares a descreviam com uma pessoa agradável, simpática, envolvente e confiável.

Entretanto, a despeito de suas virtuosidades, em fevereiro de 2007, ela foi acusada de tentativa de seqüestro, roubo de carro e destruição de evidências, na cidade de Orlando, Flórida. A consagrada astronauta foi atrás de Colleen Shipman, engenheira da agência, por estar namorando William Oefelein, astronauta e piloto da missão STS-116 da nave Discovery, que foi ao espaço em dezembro de 2006 e vértice do triângulo amoroso.

Elisa Nowak quando foi presa portava uma faca, uma marreta de aço, luvas pretas, sacos plásticos, uma pistola de chumbinho e tubos plásticos. Em seu automóvel a policia encontrou também cartas de amor dela para Oefelein e mensagens eletrônicas entre ele e Shipman. (Traci Watson and Andréa Stone, “Attempted Murder Charge, Handcuffs Ground Astronaut,” USA Today, February 7, 2007).

Diante desses relatos sombrios e assustadores, acreditamos ter chegado a hora das organizações, não importa a natureza de seus negócios e a qualidades de seus líderes, promover programas educacionais formais que alertem todos os seus lideres, atuais e futuros, sobre as causas e as consequências negativas e destruidoras do “lado sombra” da natureza humana.

Caro leitor, dos exemplos acima citados, concluímos que todo aquele cujo chamado é para guiar almas deveria em primeiro lugar ter a sua própria alma guiada, para que saiba o que significa tratar com a alma humana. Conhecer a sua própria escuridão é o melhor método para lidar com a escuridão de outras pessoas. Embora seja indispensável estudar, isso não será de muito auxílio. Entretanto, ajudaria muito ter uma intuição pessoal dos segredos da alma humana. De outra forma, tudo permanecerá como um inteligente truque intelectual que consistirá em palavras vazias e conduzirá a uma conversa vazia. (Carl Gustav Jung, Obra citada, página 176).

Baltasar Gracian, filósofo e padre jesuíta espanhol, 1601-1658, expressou opinião semelhante ao dizer: “Muitos seriam pessoas completas não lhes faltasse um quezinho sem o qual nunca chegam ao cume da perfeição. Nota-se que poderiam ser muito desde que reparassem em bem pouco. A uns, falta-lhes seriedade, com o que desmerecem grandes praticados; a outros, suavidade no caráter, falta essa de que todos que com eles têm convívio logo se ressentem, em especial se forem pessoas de posição. Uns carecem de ação, outros, ainda, de ponderação. Todos esses defeitos, se notados, poderiam facilmente ser supridos, pois o cuidado pode transformar o costume em segunda natureza.” (Oráculo Manual, # 238, pág. 155).

É bom frisar que esse “lado sombra” pode se manifestar a qualquer momento. Portanto, é necessário alertá-los e conscientizá-los sobre essa questão muito antes mesmo que ele se manifeste como um vulcão adormecido que inesperadamente explode, joga as suas lavas a milhares de metros de altura, devasta uma imensa área geográfica e destrói milhares de vidas inocentes.

Parker Palmer em seu consagrado livro, “Let Your Life Speak”, escreve que os líderes têm o poder de lançar sombra ou luz sobre os indivíduos por meio do exercício da liderança. Ele diz ainda que os líderes criam um “ethos” no qual os indivíduos têm de viver: “one of light in which people flourish and grow, or one as shadowy as hell that will bring pain and death.”(Let Your Life Speak: Listening for the Voice of Vocation,” 2000).

Caro leitor, quando os líderes vivem e lideram da sombra de seu lado escuro, os perigos surgem de todos os cantos e podem atacar e comprometer o que existe de melhor na sociedade, nas organizações públicas e privadas e, especialmente, nos indivíduos.

Portanto, convém ficar atento às seguintes observações feitas por Gary L. McIntosh, citado no início deste trabalho:

  • Todo líder sofre em alguma medida de disfunção interna, variando da extremamente suave à extremamente aguda.
  • As disfunções internas, de uma forma ou de outra, podem frequentemente servir como uma força motivadora por trás do desejo do indivíduo em ter sucesso como um líder.
  • Muitos líderes não se dão conta do lado sombrio de suas personalidades e das disfunções internas que as motivam.
  • As características pessoais que motivam os indivíduos a terem sucesso e a liderar frequentemente se acompanham de um lado sombrio que os atrapalha depois que se tornam líderes e frequentemente levam a um fracasso retumbante. Essa dinâmica é chamada do “paradoxo da disfunção interna na liderança”.
  • Aprender a respeito de seu próprio lado sombrio e sobre as disfunções que o criaram pode capacitar os líderes a trabalharem nessas áreas e prevenir, ou ao menos aliviar, os efeitos potenciais negativos a seu exercício da liderança.

Caro leitor, na Era da Gratificação Existencial em que vivemos, trabalhamos, competimos e confraternizamos,  nada é mais importante do que a descoberta de nossas motivações internas e estarmos atentos e preparados para neutralizar com sabedoria o nosso “lado sombra.” Afinal, os líderes que ignoram ou se recusam a reconhecer o seu “lado sombra” são aqueles que em geral terminam muito mal simplesmente porque não tiveram a coragem de olhar para dentro deles mesmos.

Cristo, em “A Tradição dos Anciãos”, disse: “O que sai do homem isso contamina o homem. Porque do interior do coração dos homens saem os maus pensamentos, os adultérios, as prostituições, os homicídios, os furtos, a avareza, as maldades, o engano, a dissolução, a inveja, a blasfêmia, a soberba, a loucura. Todos estes males procedem de dentro e contaminam o homem.” (Evangelho de São Marcos 7.20 a 23).

Salomão, estadista e intelectual judeu, nos adverte há quase três milênios sobre essa mesma questão, quando alerta: “Quanto melhor é adquirir a sabedoria do que o ouro! e quanto mais excelente adquirir a prudência do que a prata! O alto caminho dos retos é desviar-se do mal; o que guarda o seu caminho preserva a sua alma. A soberba precede a ruína, e a altivez do espírito precede a queda. Melhor é ser humilde de espírito do que repartir o despojo com os soberbos.” (Provérbios de Salomão 16. 16-19).

À luz dessas considerações, sugerimos que o leitor abra espaço em sua agenda a fim de refletir sobre assunto de tamanha importância – o seu lado sombra e como ele afeta a sua vida pessoal, profissional, familiar e na sociedade em que vive.

 

 

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