CONFIANÇA, O ELO SOCIAL

 

“Nenhum homem consegue, por um período considerável de tempo, mostrar uma face para si mesmo e outra para a massa, sem, por fim, ficar desnorteado e não saber qual é a sua verdadeira face”.

Nathaniel Hawthorn, 1804-1864

Escritor norte-americano

 

“A importância da confiança torna-se clara quando tentamos imaginar um mundo sem confiança”.  

 Robert Bruce Shaw, 1947 –

Trust in the Balance, 1997

Vivemos dias de inegável progresso, opulência e desenvolvimento tecnológico jamais experimentados pela humanidade em toda a sua história.  Por outro lado, vivemos dias extremamente confusos, inseguros, incertos e tomados por um profundo sentimento de cinismo, descrença, insegurança e desconfiança nas pessoas e nas instituições. Parece que o mantra dominante na sociedade moderna é aquele encontrado no Livro do Profeta Jeremias que diz: “Maldito o homem que nos confia outros. Porque será como a tamargueira no deserto, e não sentirá quando vem o bem; antes morará nos lugares secos do deserto, na terra salgada e inabitável”.

Pesquisa conduzida em 2014 pelo World Value Survey em mais de 100 países sobre “Confiança” concluiu que o Brasil tem um dos mais baixos níveis de confiança interpessoal. Brasileiros indagados sobre “Se era possível confiar na maioria das pessoas”, apenas 6,5% dos pesquisados responderam que sim.

Essa pesquisa reflete de maneira peremptória o que atestam pesquisas conduzidas por institutos de pesquisas locais sobre o grau de confiança dos brasileiros em suas instituições – 62,5 não acreditam nelas. Esse grau de desconfiança é verdadeiramente alarmante e prejudicial aos pais, as  suas instituições e a vida em sociedade. Afinal, onde não há confiança entre os homens e em suas instituições, aí reinam absolutos a anarquia, a inobservância das leis, o vale tudo, o salve-se quem puder, a ausência de boas intenções às palavras e ações das outras pessoas.

Nesse ambiente, os homens tornam-se verdadeiros lobos para os outros homens ou simplesmente meros escorpiões aguardando a oportunidade para ferroar e matar com o seu veneno terrível o seu próximo como na celebre parábola, “O sapo e o escorpião”.

Relata o autor da parábola que um escorpião aproximou-se de um sapo que se preparava para nadar de um lado do rio para o outro e pediu-lhe para que ele o ajudasse a fazer a longa travessia, carregando-o sobre as suas costas.

O sapo respondeu: Poderia carregá-lo sobre as minhas costas apenas se eu fosse um louco. Durante o percurso você vai me ferroar e, fatalmente, eu desmaiarei e ambos morreremos afogados.

O escorpião, então, lhe disse: Essa seria uma atitude fatal para ambos, Eu e você morreríamos afogados. Portanto, jamais agiria dessa maneira com alguém que fez o bem.

O sapo, convencido das boas intenções do escorpião, consentiu em carregá-lo em suas costas de maneira generosa até a outra margem do rio. Quando ambos se aproximavam do destino de chegada, o escorpião cravou seu ferrão no sapo de maneira impiedosa e cruel.

O sapo atingido pelo ferrão cheio de veneno mortífero e agora agonizando, pergunta ao escorpião por que ele agiu de maneira tão cruel e vil.

O escorpião respondeu com grande naturalidade e como se tivesse praticado uma boa ação: “Não sabes por acaso que sou um escorpião e que essa é a minha natureza?”.

Essa parábola milenar encerra inúmeras lições de natureza prática:

 

  • A natureza humana é má e corrupta por natureza. Não é a sociedade que torna o homem mau como pregavam os filósofos racionalistas franceses, mas é o homem que corrompe a sociedade.

 

  • Dada à natureza corrupta e corruptora do homem, não podemos e não devemos confiar total e cegamente em todas as pessoas que conhecemos, convivemos ou trabalhamos com elas. Afinal, ao longo de nossa vida e carreira, vamos nos deparar com uma quantidade enorme de escorpiões que tentarão nos convencer que eles são do bem, mas que são verdadeiramente do mal.

 

  • Na vida e carreira profissional, iremos encontrar muitos indivíduos que procurarão nos usar ou tirar proveito de nossa boa fé e índole benfazeja. No entanto, quando elas não precisarem mais de nós,  não terão nenhuma cerimônia em ferroar-nos impiedosamente pelas costas. Acredito que você já ouviu a célebre expressão: “Não consigo acreditar que não vi os sinais. Estavam todos lá na minha frente! Como pude ser tão cego ou crédulo?”.

Caro leitor, jamais acredite em tudo o que você ouve, confie em todas aquelas pessoas que dizem ser ou fingem ser seus amigos (as) e desejar o seu bem. Não raro, elas desejam lhe enganar, manipular, tirar proveito em beneficio próprio e conduzi-lo por caminhos que levam suas carreiras para o descarrilamento. Portanto, tenha especial atenção com aqueles profissionais de fala mansa, escorregadios, que nunca têm opinião formada sobre nada e que com frequência o bajulam. Não se deixe seduzir! Essas ações eu as denomino de “laços do passarinheiro.” São os caminhos da morte.

Há algum tempo atrás li um livro de autoria de Joseph Heller, “Something Happened” (Algo Aconteceu). No capitulo “The Office in Which I Work”, ele escreveu a seguinte história: “No escritório em que trabalho, há cinco pessoas de quem tenho medo”. Cada uma dessas cinco pessoas tem medo de quatro pessoas para um total de 20 pessoas, e cada uma dessas 20 pessoas tem medo de seis pessoas, totalizando 120 pessoas que são temidas por pelo menos uma pessoa.

“Cada uma dessas 120 pessoas tem medo das outras 119, e todas essas 145 têm medo dos 12 homens no topo, os quais ajudaram a fundar e a construir a empresa e, agora, a possuem e dirigem”.

Essa história ilustra de certa maneira o ambiente de desconfiança reinante em muitas de nossas organizações –”Ninguém confia em ninguém”. Não confiamos nos subordinados, nos pares, nos superiores, nos fornecedores, nos clientes, nos credores e, muitas vezes, nem mesmo nos acionistas.

As consequências desse tipo de ambiente são visíveis: estresse e depressão vividos pelos colaboradores, afastamentos dos indivíduos,  improdutividade, fofoca de toda natureza, desmotivação generalizada, escassez de lideranças influenciadoras para o bem, excesso de papelada e burocracia paralisante (Todos querem cobrir o seu traseiro), entre outras anomalias.

Em que pese essa desconfiança generalizada, é de fundamental importância que os verdadeiros lideres se empenhem de corpo, mente e espírito,  a fim de criar e manter uma atmosfera que promova a confiança entre os indivíduos (homens e mulheres) e nas instituições privadas e publicas. Sem a confiança transformaremos a sociedade moderna no “Inferno de Dante” e todos os homens e mulheres em “escorpiões venenosos e cruéis”.

A confiança é fundamental para a sobrevivência de homens e mulheres no Planeta Terra. Temos necessidade de confiar porque precisamos viver em um mundo complexo, injusto, moralmente doente, e o qual na maioria das vezes não conseguimos compreendê-lo totalmente. Além disso, dependemos de outras pessoas a quem jamais poderemos conhecer completamente e dependemos de organizações que não existem apenas para atender às necessidades pessoais. Portanto, precisamos urgentemente de uma forte dose de confiança – essencialmente de um mínimo de confiança – “de que algumas coisas continuarão sendo como são ou deveriam ser que outras pessoas não se aproveitarão de nós” e que não seremos prejudicados pelas organizações nas quais trabalhamos e investimos nosso futuro.

Caro leitor, não surpreendentemente, lideres que inspiram confiança – tanto em si mesmos quanto na organização – tendem a ser mais eficazes, têm redes de relacionamentos mais ricas e fortes, têm a simpatia e adesão de seus subordinados aos seus objetivos, conseguem tarefas mais desafiadoras e são promovidos mais frequentemente do que aqueles que não inspiram confiança.

Eis aqui algumas das coisas que eles são capazes de fazer, segundo a consultora norte-americana Paula J. Caproni:

  • Atraem e retêm seguidores, porque os colaboradores preferem trabalhar com pessoas que acreditam ser dignas de confiança.

 

  • Promovem um senso de “pertencer, porque os colaboradores tendem a se identificar com metas e valores organizacionais, investem psicologicamente em seus trabalhos e sentem orgulho, lealdade e afeição pelos seus lideres e organizações”.

 

  • Obtêm apoio para suas metas, porque colaboradores que confiam em seus gestores são menos inclinados a questionarem as suas competências, boa vontade, direção e intenções.

 

  • Desenvolvem colaboradores mais produtivos, porque quando existe confiança as pessoas tendem a demonstrar estabilidade emocional, autocontrole, criatividade e flexibilidade, e costumam ser menos estressados e menos defensivos.

 

  • Inspiram seus liderados a se desempenharem “além do dever” e contribuírem para a organização de modo que, embora não conste de suas descrições de cargo, agreguem valor.

 

  • Melhoram substancialmente a comunicação interna, porque, quando confiam nos lideres, os colaboradores são mais propensos a se expressar com franqueza, a ouvir com maior nível de atenção e darem más notícias quando elas ocorrem.

 

  • Reduzem conflitos e custos de negociação, porque os colaboradores estão mais inclinados a se dar o beneficio da dúvida e a serem mais receptivos, flexíveis e dispostos a serem influenciados uns pelos outros.

 

  • Promovem mudanças organizacionais mais rápidas, porque seus colaboradores sentem-se mais seguros, são mais flexíveis, assumem riscos e lidam de maneira mais produtiva com a complexidade, a ambiguidade e a incerteza.

Caro leitor, todos esses argumentos por si mesmos justificam a disseminação e prática da confiança em todos os nossos relacionamentos  – e, em especial -,   nas organizações onde empreendemos nossas carreiras. Podemos ate mesmo afirmar que “a confiança é uma fonte de vantagem competitiva. Isso porque os relacionamentos de qualidade – aqueles baseados na confiança – proporcionam valor econômico para as organizações, levam muito tempo para ser desenvolvidos e não podem facilmente ser copiados por outras organizações”, como afirmou Herb Kelleher, fundador e CEO da Southwest Airlines.            

2 thoughts on “CONFIANÇA, O ELO SOCIAL”

  1. Mestre Gutemberg, mais uma bela lição, a sobrevivência corporativa exige transparência, ética, uma relação humana franca e assertiva. Os escorpiões estarão tentando sobreviver a qualquer custo e na sombra de algum sapo. Importante estar com a razão, sempre!!!

  2. Caro Gutemberg, Muito obrigado pelas palavras.
    Vivemos em um mundo de escorpiôes que se disfarçam e se fazem passar por pessoas confiáveis e peopcupadas apenas com suas carreiras. Saibamos reconhecer e diferencia-los dos verdadeiros líderes e não nos deixemos cair em tentação de “carregar o escorpião nas costas” por comodidade e pelo nosso ego.
    Um abraço!

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