AS GALINHAS SUPER GIGANTES

Por Gutemberg B. de Macedo

“Sem romance e visão, uma empresa não tem alma, nem espirito para motivar seu pessoal e alcançar algo maior.”

Howard Schultz

Fundador e CEO da Starbucks

Pour Your Heart Into It

 

Vivemos um  período da história humana extremamente difícil, onde temos um oceano de conhecimento à  nossa disposição, porém apenas algumas pequenas gotas de sabedoria. Discursamos diariamente sobre a importância da solidariedade e da colaboração entre as pessoas, porém na prática vemos apenas o individualismo exacerbado e corrosivo  – “O que é meu é meu”  (A filosofia do egoísta) – ou na sua forma mais perversa e danosa –  “O que é teu é meu” (A filosofia do ladrão).  Falamos sobre o valor do trabalho em equipe, porém quando observamos o comportamento dos indivíduos em muitas de nossas organizações, a sensação que temos é a de que todos estão em um verdadeiro campo de batalha, onde as palavras mais ouvidas são: “Nunca revele as suas intenções”, “Aniquile totalmente o concorrente”, “Chame a atenção a qualquer preço”, “Não se comprometa com ninguém”, “Agite as aguas para atrair os peixes,” “Pregue a necessidade de mudança, mas não mude muita coisa ao mesmo tempo,” entre tantas outras declarações.    

Recentemente, assessorei um diretor de importante empresa em sua transição de carreira que ao ser solicitado a falar sobre seus sentimentos positivos ou negativos a respeito de sua demissão, disse:  “Gutemberg, senti-me  completamente aliviado com a noticia de minha demissão. Eu estava me sentindo  exausto, desmotivado e sem nenhuma vontade para sair de casa todas as manhãs para a empresa,  não tanto pelo excesso de trabalho, mas pelo ambiente doentio interno – politicagem suja, assédio moral e sexual, desrespeito a individualidade dos colaboradores, cobranças excessivas e desnecessárias, concorrência desleal, discursos falaciosos da alta administração  – “Faça o que eu digo, porem não faça o que eu faço”-   entre outras palavras destituídas de conteúdo e exemplo. Tenho de admitir que muitas vezes me senti como se estivesse no Inferno descrito por Dante em sua obra genial, Divina Comédia.”

Ao longo de minha carreira consultiva, quase 40 anos, já ouvi centenas e centenas de histórias semelhantes, as quais colocam em cheque o comportamento de muitos profissionais em postos de liderança e também o ambiente doentio de muitas de nossas organizações.

Dias depois de ter ouvido e registrado em meu caderno de anotações  o seu depoimento espontâneo pós-demissão, ouvi uma história relatada pela empreendedora, escritora, e conferencista norte-americana Margareth Hefferman  sobre  pesquisa cientifica   conduzida pelo biólogo evolucionário William Munir da Universidade de Purdue, EUA,  que  nos conduz a refletir sobre o ambiente criado pelas “Galinhas Gigantes” e os “Profissionais SuperStars”  em nossas organizações.  

Segundo seu relato, o biólogo William Munir estava interessado em aferir o nível de produtividade das Galinhas Gigantes, algo fácil de descobrir, visto que  o número de ovos que elas produziam diariamente poderia ser contado. Porém, ele desejava saber mais – O que ele poderia  fazer para tornar essas  galinhas mais produtivas ainda. Então, ele concebeu uma bela estratégia – um experimento fantástico.

As galinhas vivem em grupo como todos sabemos.  Então, em primeiro lugar, Munir selecionou um grupo de galinhas médias e as confinou separadamente por seis meses.

Depois, ele criou um segundo grupo formado por galinhas mais produtivas – “Galinhas Gigantes” ou “Super Galinhas” – e as colocou juntas em um grande grupo.

A cada nova geração de galinhas que nascia, ele selecionava apenas as mais produtivas para pro criação.

Depois de seis gerações, o que o biólogo descobriu de inédito em sua inovadora e audaciosa pesquisa?

O primeiro grupo, formado por galinhas medianas, demonstrava um bom desempenho. Ao longo desse período, elas foram bem alimentadas e tratadas. Como consequência, a produção de ovos tinha aumentado dramaticamente.

E o que aconteceu com o segundo grupo? Todas, exceto três, tinham morrido. Elas se bicavam e lutavam umas contra as outras até a morte. As galinhas mais produtivas tinham atingido o seu sucesso por sufocarem o sucesso das outras galinhas do grupo.

A lição a ser colhida para o nosso dia a dia de trabalho em nossas organizações é muito singela. Com frequência o sucesso de muitos de nossos profissionais – “Os superstars” – são obtidos  as custas do sofrimento e  sacrifício de dezenas, centenas ou até mesmo milhares de seus colaboradores. Um exemplo excepcional dessa realidade foi a Enron. Seu ex-CEO e alguns de seus executivos eram considerados “Superstars.”

Dois fatores contribuíram para a criação desses “executivos superstars” ou dessas “Galinhas Gigantes”:

Primeiro – Durante toda a sua formação – do berço às organizações – eles foram ensinados e doutrinados de que a única maneira de avançarmos na vida e carreira era por competir, competir e competir ferozmente. Eles tinham de chegar em primeiro lugar sempre em tudo maquilo que fizessem. Eles tinham de frequentar as melhores universidades, os melhores clubes sociais, as melhores academias, os ambientes mais sofisticados etc. Nada de sentarem-se no banco do passageiro – eles tinham de sentar-se  no lugar do condutor do veículo. Lembre-se sempre: “The winners  takes all”.  

Determinadas universidades norte-americanas, entre elas Harvard University, ensinavam aos seus alunos que se eles chegassem em segundo lugar, eles seriam considerados indivíduos fracassados e perdedores.

O resultado desses ensinamentos tornaram-se  danosos para centenas e centenas de formados que ao ingressarem numa carreira se sentiram frustrados, infelizes e decepcionados. Outros, simplesmente abdicaram de suas carreiras e foram procurar abrigo em outras tendas.

Segunda – Durante as  últimas cinco décadas, os executivos de nossas principais organizações têm gerenciado suas empresas utilizando o modelo das “Super Galinhas”, afirmou Margareth Herfferman. Eles têm pensado que o sucesso é obtido apenas pela escolha de profissionais considerados “superstars” – os melhores, os mais brilhantes, os mais inteligentes, os mais bem formados, entre inúmeras outras exigências – e dado a eles todos os recursos materiais possíveis e também todos os poderes.

E o resultado tem sido justamente o mesmo como no experimento do biólogo evolucionário – agressividade, intrigas palacianas, pressão exagerada, disfunção, puxões de tapetes, perdas financeiras,  humanas e desgraça de muitas organizações. No Brasil e no exterior, esses executivos atuam como verdadeiros exterminadores do futuro das organizações que dirigem.

Caro leitor, em toda história da humanidade os avanços em nível pessoal, profissional e coletivo foram sempre obtidos agregando experiências mútuas, e não desagregando seja porque motivo for. Em cada historia pessoal os indivíduos realmente felizes possuem a satisfação de ter contribuído em algum momento com o bem estar do outro. Eles deixam um legado.

Aqui desejo destacar três lições preciosas e que jamais deveriam estar ausentes de sua mente:

Primeira – O sucesso é vazio se você atingir a linha de chegada sozinho simplesmente porque eliminou todos os seus concorrentes,  à semelhança das “Galinhas Gigantes”. A mais benfazeja recompensa é chegar no lugar que você sonhou chegar cercado de vencedores como você. Quanto mais vencedores você conseguir trazer consigo – sejam eles seus colaboradores, clientes, acionistas, credores – mais gratificante tornar-se-á o seu sucesso.”    

Segunda – A pesquisa conduzida por William Munir, reforça a importância da conectividade social no seu mais amplo sentido, onde a cooperação é o amalgama que une interesses, pessoas e realizações com significado – social, politico, econômico, empresarial, familiar e em todas as formas de preservação da sublime riqueza humana.

Aprendemos muito cedo em nossas vidas que a nossa vinculação ao ambiente e ao grupo se dá por meio da experimentação, da observação e da comunicação transparente, objetiva e despida de qualquer preconceito. As trocas ocorrem nesse contexto. E a empatia também. Aprendemos a competir e a cooperar de forma saudável e produtiva. Como ganho nós aprendemos também a reconhecer e a valorizar as outras pessoas, passamos a ser mais compreensivos, solidários, possibilitando assim a formação de um vinculo social fundamental para a sensação de sermos importantes, uteis, apreciados e conectados.

Acredito que a pior barreira humana a ser removida é a falta de uma consciência altruística e o desafio de desenvolver em nós mesmos um amor próprio saudável. Os estímulos mais frequentemente observados não são muito honrosos – pressão pelo sucesso a qualquer preço, fama, celebridade, poder e dinheiro. O lema “preciso ser o melhor em tudo, custe o que custar, é enganoso, destrutivo e pueril. Não se iluda!

Terceira –  As  empresas necessitam urgentemente questionar alguns dos  conceitos herdados ao longo dos últimos 50 anos. A ideia do executivo superstar, criador de pirotecnias ou celebridade pode até ser sedutor, porém é falacioso e destrutivo no longo prazo como vimos no experimento das “Galinhas Gigantes”.

Necessitamos de um novo modelo de gestão, o  qual valorize não apenas  os “profissionais superstars”,   mas também os profissionais medianos. Afinal, as empresas não necessitam apenas de “Super Heróis” ou de “Mulheres Maravilha.”  Elas necessitam de pessoas que produzam resultados diária e constantemente – botam novos ovos no cesto – a semelhança das galinhas medianas.

Sim, as organizações necessitam formar uma equipe constituída de colaboradores produtivos, conscientes e responsáveis, apesar das peculiaridades inerentes a cada um deles. Se não respeitarmos diferenças alheias, não existirá uma força de trabalho coesa. Todos, absolutamente todos, temos de lembrar que não somos os únicos perfeitos nas empresas que servimos. O que conta no final de cada dia é o resultado do produto de nosso trabalho – quantos ovos produzimos.             

           

  

   

         

  

      

5 thoughts on “AS GALINHAS SUPER GIGANTES”

  1. Gutemberg, excelente texto …
    Este tipo de reflexão deveria ser leitura obrigatória nos vários tipos de sessões de treinamentos promovidos pelas áreas de recursos humanos nas organizações, e em especial no momento da entrada.
    Entretanto, vale observar que muitas das situações reveladas, possivelmente trazem o “espirito/estilo” do Dono, Chefe ou Gestor. Assim, igualmente recomendável seria a reflexão destes “criadores de galinhas superstars”, pois de nada adianta corrigir a base, se o comando segue enfermo.

  2. Texto maravilhoso. Muito verdadeiro. Ao longo de minha carreira tenho me deparado com o discurso de foco em pessoas e foco no cliente, que na prática tem sido apenas isso – discurso. Cria-se um ambiente de competitividade excessiva, que leva ao desmonte de equipes que poderiam trilhar um caminho de sucesso. O segredo de um time vencedor está no trabalho em equipe de pessoas com talentos diversos, que se complementam, e não se destroem. Ulisses colocou muito bem a questão quanto ao “espirito do dono” – o exemplo vem de cima. E muitas vezes este exemplo é ruim, míope e distorcido. O resultado a qualquer custo, o imediatismo, leva ao descompromisso com futuro de médio e longo prazos.

  3. Muito bom texto que reflete a realidade no ambiente corporativo. Os superstars ou galinhas super gigantes na maioria das vezes vivem mais da aparência do que da real entrega de resultados. Geralmente não possuem “lastro” para justificar suas posições. Os líderes devem enxergar esta realidade e exigir trabalho colaborativo e produtividade destes superstars.

  4. Parabéns pelo texto, Gutemberg.
    Importante também analisar “O outro lado da moeda” das chamadas galinhas gigantes nas organizações, onde elas acabam se perdendo e perdendo o apoio das demais “galinhas”, comprometendo o resultado esperado.

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